A consolidação do país próprio para o povo curdo pode contribuir para a redução dos conflitos étnico, religioso e político no Oriente Médio
Os curdos são um grupo étnico,
nativo da região referida como Curdistão, que inclui partes adjacentes da
Turquia, Iraque, Síria, Irã, Armênia, Azerbaijão e Geórgia, com área de cerca
de 500 mil km2. Com população estimada em 28 milhões, os curdos constituem o
maior contingente populacional no Mundo sem Estado, ou seja, sem território
próprio que possa ser considerada como sua pátria. Só esse fato já justificaria
a criação do estado do Curdistão, para abrigar esse grande contingente populacional
com identidade e culturas próprias, ainda sem pátria.
a) Os curdos 19 de set. de 2017 AFP Português
b) A capital do Curdistão iraquiano | À PROCURA
DE DEUS | HISTORY
3 de jun. de 2022 Canal History Brasil
Um povo em constante
luta pela sua pátria
Na 1ª Guerra
Mundial, os curdos lutaram pelo fim do domínio otomano sobre sua região e foram
encorajados pelo presidente americano Woodrow Wilson a submeterem sua
reivindicação por independência na Conferência de Paz de Paris de 1919. Assim,
o Tratado de Sèvres determinou a criação de um estado autônomo curdo em 1920,
mas o subsequente Tratado de Lausanne de 1923, influenciado pela ascensão de
Ataturk e a instauração da república na Turquia, ignorou as pretensões dos curdos,
o que deu origem às revoltas curdas entre 1925 e 1930, as quais foram
violentamente reprimidas. Assim, foi
perdida a oportunidade de ouro para a criação do Curdistão após o colapso do
império otomano ao fim da 1ª Guerra Mundial.
Desde então
todas as tentativas de conseguir uma nação própria têm sido frustradas por meio
de ações dos governantes hostis aos anseios curdos. Seus guerrilheiros chamam a si mesmo
"peshmerga" (os que enfrentam a morte) e continuam lutando pela
sobrevivência em uma região historicamente assolada por violência e
sublevações.
A total
expulsão do grupo terrorista Estado Islâmico (EI) do norte do Iraque, com a
simbólica libertação final de Mossul, considerada a capital do EI no Iraque, em
julho de 2017, fortaleceu os anseios para a criação do estado independente dos
curdos ao norte de Iraque, o que motivou a realização de referendo para aferir
esse desejo em 25.09.2017, que resultou
no expressivo apoio de 92% da população para a criação do país próprio dos
curdos.
Porém, desde
então, em função de forte oposição do governo iraquiano, sediado em Bagdá, e dos
países vizinhos como a Turquia, Irã, Síria, e da falta de apoio formal e explícito
das potências ocidentais, principalmente por parte dos EUA, nada caminhou no
alcance do objetivo da independência formal do país curdo.
Entretanto,
apesar de fazer parte de uma região altamente conturbada, o Curdistão
iraquiano, ao norte do Iraque, com área aproximada de 40.000 km2, e 7 milhões
de habitantes, apresenta na prática todas as características de um país
independente, com a sua liderança política e econômica constituídas em torno de
Erbil, a capital de fato do “estado” curdo.
Para tanto,
vários aspectos podem ser enfatizados:
1)
A disciplina social dos curdos é consistente e equilibrada;
2) Há
um senso de otimismo, penetrante e contagiante; o espírito empreendedor
continua vivo e está em ascensão.
3) Embora
tenha havido um êxodo de empresários após as perdas territoriais iniciais para
o grupo extremista Estado Islâmico (EI), a partir de 2013, os investidores
estrangeiros estão retornando, o que pode se acelerar após a expulsão total do
EI de Mossul. Há vários projetos concluídos ou em execução para melhorar a infraestrutura
local, como por exemplo o aeroporto internacional de Erbil e a rodovia ao seu
redor, de modo que a região vive um grande momento de expansão econômica.
4) O
ponto de inflexão econômica para a região foi a lei de atração de investimentos
de 2006, abrangendo medidas como a isenção de impostos por um período de 5 a 10
anos, repatriação de lucros, possibilidade de contratação de trabalhadores
estrangeiros, concessão gratuita de terrenos para projetos estratégicos.
5) O
Curdistão é uma sociedade multiétnica e multireligiosa. A maioria dos curdos
são muçulmanos sunitas, mas rejeita o fanatismo e o fundamentalismo religiosos.
Isso tem facilitado a aceitação e o assentamento rápido de dezenas de milhares
de refugiados provenientes do Iraque e também da Síria, que estiveram sob
controle do EI, incluindo turcomenos, yazidis e cristãos assírios e árabes.
6) A sociedade curda, ao contrário de
muitos países muçulmanos, não reprime as mulheres, as quais tem ampla liberdade
de expressar seus pensamentos e opiniões. Também, as mulheres participam
voluntariamente do serviço militar, como peshmerga, e são admiradas e
respeitadas.
7) Os curdos no Iraque já dispõem de
considerável autonomia, tendo suas bandeiras hasteadas nas repartições
públicas, enquanto as escolas públicas são bilíngües e ensinam o idioma curdo.
8)
Por todas essas razões, o
Curdistão lembra Israel. Como Israel, o Curdistão não é dominado nem pelos
árabes nem pelo Islã. Como Israel, o Curdistão é mais democrático do que
qualquer um de seus vizinhos. Como Israel, o Curdistão está cercado de inimigos
que não querem que ele exista. Como Israel, o Curdistão dirige seus olhos para
o Ocidente.
9)
Enfim, a consolidação do Curdistão
como país de fato, mesmo sem a independência formal, poderia seguir o exemplo
de Israel, que desde a sua criação em 1948 tem lutado e trabalhado tenazmente
para o seu crescimento e desenvolvimento como país independente e com destino
próprio no ainda conturbado Oriente Médio.
O Curdistão iraquiano
como fator de estabilidade do Oriente Médio
Em suma, o fortalecimento de um país
curdo de fato ao norte do Iraque, ou seja o Curdistão iraquiano, mesmo sem a
independência formal, poderia constituir um fator de estabilidade numa região
tão carente desse requisito mínimo, indispensável para permitir a consolidação
de um processo sustentável de desenvolvimento político, econômico e social de
uma parcela significativa do Oriente Médio.
Ademais, em função do caráter tolerante e isento de radicalismo do povo
curdo, o Curdistão iraquiano pode abrigar outras minorias perseguidas no
Oriente Médio, como de fato já tem ocorrido, principalmente os yazidis, vítimas
recentes de ações de genocídio pelo Estado Islâmico.
O projeto de um país próprio ao
povo curdo teria ainda a grande vantagem de se basear em uma realidade social e
política próprias e não ditada apenas pelos interesses das potências globais,
que têm sido preponderantes até hoje, subsequente à divisão do espólio do
império otomano ao fim da 1ª Guerra Mundial em 1918. E como esse projeto ainda defronta com
grandes resistências e dificuldades, poderá ser iniciado pelo chamado Curdistão
iraquiano, que de fato está sendo acelerado a partir da libertação de Mossul do
Estado Islâmico, no norte do Iraque, ocorrida em julho de 2017.
Shoji