sábado, 2 de janeiro de 2021

RIO DE JANEIRO SOB DOMÍNIO DO CRIME ORGANIZADO

 O crime organizado está se infiltrando no Estado

O editorial do jornal O Estado de SP, de 13.12.2020, pg. A-3, sob o título “Estado do crime” expressa  um gravíssimo alerta ao estado do RJ, mas que se pode estender a outras áreas do território brasileiro. Segundo o citado editorial, o fenômeno da máfia pode ser sintetizado em uma fórmula: “a polícia dos criminosos”. Transitando entre sociedades desservidas pelo Estado e organizações criminosas, as máfias vendem proteção às populações desassistidas e arbitragem às citadas organizações criminosas. Nessa posição privilegiada, os mafiosos expandem seu poder cooptando negócios legítimos para encobertar atividades criminosas e lavar seu dinheiro, ao mesmo tempo que se valem do mercado negro para vender serviços às populações marginalizadas. Assim, as milícias no RJ acabam se tornando não apenas a “polícia dos criminosos”, mas os “criminosos da polícia”.   

Narcotráfico: milícias do Rio expandem negócios e entram no mercado da cocaína

9 de dez. de 2020

Jornal da Record

Mapa do crime organizado no RJ

Segundo levantamento da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade de SP (USP), divulgado pela mídia em 19.10.2020, sobre o mapa do crime organizado no RJ, as milícias e o narcotráfico estão presentes em 96 dos 163 bairros da cidade do RJ, sendo 41 pelas milícias e 55 pelo narcotráfico. Nas áreas sob influência do crime organizado, vivem cerca de 3,76 milhões de pessoas, representando 55,7% do total de 6,75 milhões do município de RJ, sendo 2,1 milhões em áreas influenciadas pelas milícias e 1,5 milhões pelo narcotráfico. Essas cifras impressionantes mostram que o Estado paralelo dominado pelo crime organizado já é uma realidade em vasta parte do RJ, o que está ocorrendo também em outras regiões do País. 

Avanço das milícias no vácuo deixado pelo poder público

As milícias formam-se originalmente como “antagonistas do tráfico”. Mas uma vez consolidado o mercado de “proteção”, elas se expandem rapidamente em 2 sentidos: (i) a diversificação das atividades econômicas e (ii) infiltração em instâncias do poder público. Por um lado, os milicianos passam a cobiçar os negócios do narcotráfico e, por outro lado, os traficantes assimilam as estratégias das milícias. Há registro de atuação das milícias em serviços de transporte coletivo, gás, eletricidade, provedor de internet, agiotagem, cestas básicas, grilagem de terras, loteamento de terrenos, construção e revenda irregular de habitação, contratação de assassinatos, tráfico de drogas e armas, contrabando e roubo de cargas, receptação de mercadorias e revenda de produtos de diversos tipos. 

Além disso, o vínculo original das milícias com elites política e econômica locais se desdobra rápida e perigosamente para se infiltrar em instâncias do Estado. Na polícia, há indícios de indicações para cargos de comando, nomeação para chefia de batalhões, definição de focos prioritários de operações policiais e desenhos abrangentes de abordagem. 

Além das forças policiais, as milícias estão se infiltrando nos poderes executivo e legislativo. Segundo a Polícia Federal, há riscos ao processo eleitoral em pelo menos 18 estados federativos, em especial  aqueles com altos índices de violência, serviços públicos precários e corrupção policial. Assim, no RJ, é crescente o estreitamento de relações entre milicianos com o poder púbico. 

Em contraste com o crime organizado tradicional, as milícias transitam com muito mais liberdade entre a legalidade e a ilegalidade, entre o submundo, a sociedade civil e o poder público, diversificando e expandindo seus negócios com mais rapidez. A venalidade das milícias ultrapassou a dimensão da segurança pública e ameaça perverter o tecido civil e o próprio Estado. 

Incapacidade do atual aparato policial para repressão ao crime organizado

A rapidez e a diversidade  das formas da expansão do crime organizado exigem uma resposta igualmente rápida e diversificada. Além de uma atualização da legislação, é preciso extrapolar os meios convencionais de combate ao crime e investir em grupos especializados, novas táticas de inteligência e investigações. 

Os criminosos individualmente ou as quadrilhas em conjunto agem cada vez mais de forma organizada, em diversas localidades e em várias unidades federativas, em locais onde se sentem mais seguros de não sofrer a ação repressora do aparato policial. Com isso se torna cada vez mais difícil e menos eficaz a atual forma de atuação da força policial para a repressão aos crimes, não somente no RJ mas em várias partes do território nacional. No caso do RJ, as polícias estaduais civil e militar mostram-se praticamente incapazes para reprimir o crime organizado no território fluminense. 

O atual sistema policial no País não atinge os desejados níveis de eficiência e eficácia para a repressão à criminalidade.  Ao contrário, o sistema de segurança pública é totalmente anacrônico para o combate ao crime que, ao contrário, age cada vez mais de forma ampla, racional e principalmente com uso de meios e instrumentos tecnológicos cada vez mais avançados e sofisticados.

O sistema policial brasileiro mostra uma estrutura fragmentada nas 3 esferas federativas (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Legislativa, Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Rodoviária Estadual e as Guardas Municipais), com estruturas e algumas funções superpostas, ao mesmo tempo que se deixam diversos vácuos ou zonas cinzentas, quanto à real jurisdição em termos da modalidade criminosa e a localização espacial onde o crime é praticado. Ademais, a coordenação de ações ocorre de forma fragilizada e esporádica, não permitindo, assim, a ação eficaz contra a criminalidade.   

Por essa razão, fracassou redondamente a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro adotada entre fevereiro/2018 até o fim de 2018, conforme o Decreto nº 9.288, de 06.02.2018, como medida emergencial para ao menos aliviar a gravíssima situação da segurança pública naquele Estado.

Necessidade de atuação integrada das forças policiais, preferencialmente na forma de  polícia nacional única

Para o combate ao crime organizado e à criminalidade de forma geral, cada vez mais é evidente a necessidade de uma estrutura de segurança pública com ações unificadas e coordenadas a nível local e nacional para qualquer modalidade de crime cometido em território nacional.

Certamente as dificuldades serão enormes, inclusive pela resistência política das atuais corporações e principalmente dos estados federativos, que podem achar que perderão poder, mas isso na realidade não ocorrerá, pois os estados continuarão tendo papel preponderante na definição das diretrizes e na priorização das ações por meio dos órgãos de coordenação. 

Mas uma coisa é certa, com o inevitável processo de globalização e da rápida evolução tecnológica, não há mais condições para o aparato policial brasileiro continuar atuando de forma segmentada e fragmentada, sem coordenação efetiva a nível nacional e até internacional, e sem contar com sistema de informações ampla, moderna e em tempo real, com o uso maciço de instrumentos tecnológicos de ponta.  

Shoji


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