A criação de um
país para o povo curdo pode contribuir para a redução dos conflitos étnico,
religioso e político no Oriente Médio
Os curdos são um grupo étnico,
nativo da região referida como Curdistão, que inclui partes adjacentes da
Turquia, Iraque, Síria, Irã, Armênia, Azerbaijão e Geórgia, com área de cerca
de 500 mil km2. Com população estimada em 28 milhões, os curdos constituem o
maior contingente populacional no Mundo sem Estado, ou seja, sem território
próprio que possa ser considerada como sua pátria. Só esse fato já justificaria
a criação do estado do Curdistão, para abrigar esse grande contingente populacional
com identidade própria, ainda sem pátria.
Apesar de
fazer parte de uma região altamente conturbada, o Curdistão iraquiano, por
exemplo, apresenta na prática todas as características de um país independente,
com a sua liderança política e econômica constituídas em torno de Erbil, a
capital de fato do “estado” curdo. Para
tanto, vários aspectos podem ser enfatizados:
1)
A disciplina social dos curdos é admirável;
2) Há
um senso de otimismo, penetrante e contagiante; o espírito empreendedor
continua vivo e está em ascensão.
3) Embora
tenha havido um êxodo de empresários após as perdas territoriais iniciais para
o grupo extremista Estado Islâmico (EI), a partir de 2013, os investidores
estrangeiros estão retornando, o que pode se acelerar com a iminente expulsão
do EI de Mossul, considerada a capital do EI no Iraque. Há vários projetos concluídos
ou em execução para melhorar a infraestrutura local, como por exemplo o
aeroporto internacional de Erbil e a rodovia ao seu redor, de modo que a região
vive um grande momento de expansão econômica.
4)
O ponto de inflexão econômica para a região foi a
lei de atração de investimentos aprovada em 2006, abrangendo medidas como a
isenção de impostos por um período de 5 a 10 anos, repatriação de lucros,
possibilidade de contratação de trabalhadores estrangeiros, concessão gratuita de
terrenos para projetos estratégicos.
5)
O Curdistão é uma sociedade multiétnica e
multireligiosa. A maioria dos curdos são muçulmanos sunitas, mas rejeita o
fanatismo e o fundamentalismo religiosos. Isso tem facilitado a aceitação e o
assentamento rápido de dezenas de milhares de refugiados provenientes do Iraque
sob controle do EI, incluindo turcomenos, yazidis e cristãos assírios e árabes.
6)
As grandes cidades curdas como Erbil, Dohok e
Zako apresentam sinais visíveis de tranquilidade, o que permite, por exemplo, a
sua população sentir-se segura, inclusive à noite.
7)
A sociedade curda, ao contrário de muitos países
muçulmanos, não reprime as mulheres, as quais tem ampla liberdade de expressar
seus pensamentos e opiniões. Também, as mulheres participam voluntariamente do
serviço militar, como peshmerga, e são muito admiradas e respeitadas.
8)
Os curdos no Iraque já dispõem de considerável
autonomia, tendo suas bandeiras hasteadas nas repartições públicas, enquanto as
escolas públicas são bilíngües e ensinam o idioma curdo.
9)
Por todas essas razões, o
Curdistão lembra Israel. Como Israel, o Curdistão não é dominado nem pelos
árabes nem pelo Islã. Como Israel, o Curdistão é mais democrático do que
qualquer um de seus vizinhos. Como Israel, o Curdistão está cercado de inimigos
que não querem que ele exista. Como Israel, o Curdistão dirige seus olhos para
o Ocidente. Enfim, o Curdistão tem mantido o equilíbrio mesmo que não conte
ainda com apoio mundial majoritário.
O Curdistão como fator de estabilidade do Oriente Médio
Enfim, um
Curdistão independente poderia constituir um fator de estabilidade numa região
tão carente desse requisito mínimo, indispensável para se permitir o início e a
consolidação de um processo sustentável de desenvolvimento político, econômico
e social de uma parcela significativa do Oriente Médio. Ademais, em função do caráter tolerante e isento
de radicalismo do povo curdo, o Curdistão pode abrigar outras minorias
perseguidas no Oriente Médio, como de fato já tem ocorrido, principalmente os
yazidis, vítimas recentes de ações de genocídio pelo Estado Islâmico.
O projeto de independência ao povo curdo teria ainda a
grande vantagem de se basear em uma realidade social e política próprias e não
ditada apenas pelos interesses das potências globais, que têm sido
preponderantes até hoje, subsequente à divisão do espólio do império otomano
após o fim da I Guerra Mundial em 1918.
E como esse projeto ainda defronta com grandes resistências e
dificuldades, poderia ser iniciado pelo chamado Curdistão iraquiano, o qual
poderia dar um passo decisivo a partir da expulsão do Estado Islâmico de Mossul,
no norte do Iraque, ao final de 2016 ou início de 2017.