A revista Época nº 888, de 15.06.2015, mostrou como os juízes estaduais e promotores ultrapassavam o teto remuneratório constitucional do funcionalismo público, que atualmente é de R$ 39.293,32, correspondente ao salário do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), mediante o recebimento de diversos auxílios, gratificações, verbas, ajudas de custo, que podiam chegar ao total de 32, muitos dos quais não estão sujeitos ao limite do teto e nem à cobrança do Imposto de Renda (IR). Entre os auxílios destacavam-se: moradia, alimentação, transporte, plano de saúde, adoção, creche, cursos, educação, doença, funeral, mudança, natalidade, livros e informática, etc., que elevavam a média de rendimentos totais de juízes e desembargadores nos Estados, à época, a R$ 41.802 mensais, correspondendo a 23 vezes o rendimento médio do trabalhador no Brasil.
Esses chamados superbenefícios amparam-se em um dispositivo constitucional (art. 37, §11º), que isentaria do computo do teto remuneratório “as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei”. Essa interpretação é no mínimo questionável do ponto de vista lógico e prático, pois se todos têm que arcar com despesas dessa natureza com seus salários normais, qual seria a justificativa para não equiparar esses benefícios aos salários para essa elite de servidores?
Essa situação pouco mudou desde então, inclusive como mostra o artigo “Terraplanismo constitucional e supersalários da República”, assinado pelo advogado criminalista Paulo Sergio Coelho, no jornal Valor Econômico, de 05.05.2020, pg. A-10, segundo o qual, em março/2020, dos 360 desembargadores do Tribunal de Justiça de SP, apenas 7 receberam rendimento inferior ao teto constitucional, tendo sido o salário médio desse grupo de R$ 56.296,35. No Ministério Público de SP, dos 1.890 promotores e procuradores, somente 140 receberam abaixo do teto constitucional, com salário médio de R$ 53.147,52.
Referências:
a) Na Suécia, juízes e políticos são "cidadãos comuns"
20 de set. de 2013
Observatório Social do Brasil
b) $ 890 milhões de auxílios a juízes
18 de dez. de 2017
Jornal da Gazeta
Na Europa é muito diferente
Na Europa, um levantamento do Conselho da Europa, de 2012, mostrava que os juízes iniciantes de 26 países europeus recebiam somente 2,2 vezes a média salarial de seus países, contra 14 vezes no Brasil, e os salários dos membros da Corte Suprema equivaliam a 4,2 vezes o vencimento médio nacional, e esse quadro não deve ter se alterado substancialmente.
Quadro fiscal gravíssimo pela inusitada pandemia do coronavírus (Covid-19)
A manutenção desse tipo de benefício é, no mínimo, questionável do ponto de vista moral e representa um péssimo exemplo de falta de austeridade neste momento em que o País atravessa séria crise econômica e social, que se agrava ainda mais pela inusitada pandemia do coronavírus.
Assim, a redução brutal da atividade econômica decorrente da pandemia pode levar à queda de 6,5% do PIB em 2020, com 36,6 milhões de desempregados, ao mesmo tempo que o combate aos efeitos da pandemia acarreta em gastos públicos imprevistos, como a concessão do auxílio emergencial de R$ 600 a cada um dos trabalhadores informais, autônomos e desempregados, com gasto mínimo mensal de R$ 50 bilhões, que levará a um inusitado desequilíbrio fiscal em 2020 e nos anos seguintes. O desequilíbrio fiscal que já era gravíssimo nos estados e municípios, passa a afetar seriamente também a esfera federal, de modo que o déficit primário do governo federal que estava previsto para 2020 em R$ 124 bilhões pode se elevar a R$ 800 bilhões, enquanto a dívida pública federal poderá subir a 90% do PIB ao fim de 2020.
Se o sistema judiciário de um país não for capaz de ter o respeito dos cidadãos, toda a sociedade estará condenada. Haverá mais crimes, mais ganância na sociedade, e cada vez menos confiança nas instituições do país. Juízes têm o dever, portanto, de preservar um alto padrão moral e representar bons exemplos para a sociedade, sem manutenção de privilégios indevidos.
Sem dúvida, o poder judiciário, e os juízes como seus representantes máximos, deve intrinsecamente portar-se de maneira exemplar para poder exercer em sua plenitude a função primordial de pacificar os conflitos na sociedade, e, assim, permitir a continuidade e a sua evolução ao longo do tempo.
Shoji
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