Segurança exige
medidas estruturantes a nível nacional: só a aprovação de leis como as do
pacote anticrime não garante sucesso na segurança pública
A Lei nº 13.675, de 11.06.2018, criou o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) para integrar as ações dos órgãos de segurança de todo o País, realizando operações combinadas, podendo essas ações ser ostensivas, investigativas, de inteligência ou mistas e contar com a participação de outros órgãos, não necessariamente vinculados diretamente aos órgãos de segurança pública e defesa social, especialmente para o enfrentamento a organizações criminosas. O registro de ocorrências policiais em uma única unidade e o uso de um sistema integrado de informações e dados são algumas medidas previstas para a integração.
O SUSP tem como órgão central o Ministério da Justiça e é integrado pelas Polícias Federal, Rodoviária Federal; civis, militares, Força Nacional de Segurança Pública e corpos de bombeiros militares, bem como os agentes penitenciários, guardas municipais e demais integrantes do segmento da segurança pública.
Para isso, a União deve elaborar um plano nacional, definindo as ações e metas do SUSP. Com esse plano, as instituições responsáveis pela segurança pública nos estados e municípios terão até 2 anos para realizar a sua implementação, sob pena de diminuição no repasse de verbas para o setor. Ou seja, as entidades estaduais e municipais continuam responsáveis pela segurança, mas as diretrizes de atuação serão fornecidas pela União no âmbito nacional, visando a redução da criminalidade, bem como o aperfeiçoamento técnico dos profissionais de segurança, desenvolvendo cursos de especialização e estudos estratégicos.
A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do Ministério da Justiça, é o responsável para a implantação do SUSP, coordenando as ações de uniformização de procedimentos e pelos repasses aos estados e municípios.
As unidades federativas assinarão contratos de gestão com a União, que obrigará o cumprimento das metas como a redução dos índices de criminalidade e a melhoria na formação de policiais.
Para verificar o cumprimento de metas, o governo federal fará avaliações anuais por meio do Sistema Nacional de Acompanhamento e Avaliação das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social (Sinaped).
II. Anteprojeto de lei anticrime (Pacote anticrime)
Para contribuir na redução do elevado grau de criminalidade no País e a melhorar os indicadores desfavoráveis na área de segurança pública, o Ministro Sergio Moro, em 04.02.2019, apresentou o pacote anticrime contra a corrupção, o crime organizado e contra violência à pessoa, mediante alteração em 15 leis, incluindo o código penal e o código de processo penal, com os seguintes principais destaques:
1. prisão após 2ª instância: prisão após condenação em 2ª instância como regra no processo penal;
2. legítima defesa: permite ao agente policial em risco iminente de conflito armado prevenir injusta e iminente agressão;
3. endurecimento no cumprimento da pena: condenado por latrocínio ou homicídio poderá progredir de regime somente após cumprir 3/5 da pena;
4. reconhecimento e ampliação do conceito de crime organizado: condenados por crime organizado podem cumprir penas em penitenciárias de segurança máxima;
5. elevação de pena para crime cometido com arma de fogo: o condenado deve cumprir pena em regime fechado;
6. aprimoramento do perdimento de produto do crime ou confisco de bens;
7. uso do bem aprendido pelos órgãos de segurança pública;
8. medidas para evitar a prescrição do crime;
9. Soluções negociadas no código de processo penal e na lei de improbidade (plea bargain no conceito americano): na confissão de infração penal, sem violência ou ameaça grave, pode ser negociado acordo para uma pena mais branda, encerrando o processo, o que pode agilizar e descongestionar a justiça;
10. melhor criminalização do uso de caixa 2 em eleições;
11. melhorar o regime de interrogatório por videoconferência;
12. dificultar a soltura de criminosos habituais: endurecimento de pena a reincidentes;
13. endurecer o regime jurídico dos presídios federais: por exemplo, (i) a visita de familiares, parentes e amigos, somente por meio virtual ou no parlatório, no máximo de 2 pessoas por vez, separados por vidro e comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravação; e (ii) monitoramento de todos os meios de comunicação, inclusive correspondência escrita.
14. medidas para aprimorar a investigação de crimes:
i. condenado por crime doloso será submetido à identificação de perfil genético, por extração do DNA, no ingresso no estabelecimento prisional ou durante o cumprindo pena para quem já estiver ingresso;
ii. cadastramento de armas de fogo e coleta de registros balísticos no Banco Nacional de Perfis Balísticos gerenciados por unidade oficial de perícia criminal;
iii. criação no Ministério da Justiça do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais, para armazenar dados de registros biométricos, de impressões digitais, de íris, face e voz para subsidiar investigações federais e estaduais, e serão colhidos em investigações criminais ou por ocasião da identificação criminal;
iv. os órgãos federais e estaduais poderão compor equipes conjuntas de investigação, com compartilhamento ou a transferência de provas no âmbito das equipes conjuntas de investigação com dispensa de formalização ou autenticação especiais;
15. Introdução do informante do bem ou do whistleblower: A União, Estados e Municípios devem manter unidade de ouvidoria ou correição, para assegurar a qualquer pessoa o direito de relatar informações sobre crimes contra a Administração Pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público.
III. Dúvidas sobre a melhoria efetiva da segurança pública
Apesar do lançamento do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e do pacote anticrime, há sérias dúvidas se o novo Ministério da Justiça, em conjunto com os governos estaduais e municipais, conseguirão implantar de fato medidas estruturantes de grande magnitude e eficácia para superar os seríssimos problemas e deficiências enfrentadas pelo sistema de segurança pública, tais como:
1. Ineficácia do atual aparato policial com estrutura fragmentada, não-integrada, com funções superpostas e sem coordenação permanente de ações
Embora a principal missão prevista para o novo MJ seja a de coordenar e integrar as forças de segurança pública em todo o território nacional, em cooperação com os 27 estados e o DF, esse objetivo dificilmente será alcançado com o atual aparato policial do País, que mostra inequivocamente uma estrutura fragmentada nas 3 esferas federativas (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Legislativa, Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Rodoviária Estadual e as Guardas Municipais), com estruturas e algumas funções superpostas, ao mesmo tempo que se deixam diversos vácuos ou zonas cinzentas, quanto à real jurisdição em termos da modalidade criminosa e a localização espacial onde o crime é praticado.
2. Dificuldade de atuação como polícia nacional unificada com coordenação permanente de ações com a criação de sistema de informações única a nível nacional (inteligência preventiva e repressiva), atualizadas e acessíveis online para a repressão e prevenção ao crime.
3. deficiência de instrumentos auxiliares como a criação de sistema e banco de dados unificado para registro, prevenção e repressão ao crime (Sinfo), incluindo um banco de dados completo e atualizado do sistema penitenciário nacional, devendo o Sinfo ser atualizado continuamente e acessível online a qualquer momento e de qualquer lugar por qualquer membro de segurança pública nas esferas federal, estadual e municipal, para situações como:
• na verificação da documentação de um suspeito, para a constatação ou não de antecedentes criminais;
• na verificação rotineira de documento do veículo ou de habilitação, para a checagem de eventual roubo;
• na checagem de imagens captadas e outros indícios, para verificar a possível identificação de pessoas suspeitas;
• disponibilização de informações atualizadas sobre todos os crimes cometidos, por modalidade, local, data e horário, de forma a orientar a ação policial preventiva nas diferentes localidades do País, etc;
• informação atualizada sobre todos os presos do País, com especificação dos crimes praticados, penalidades aplicadas e prazos previstos para o seu cumprimento, para a melhor gestão do sistema prisional, e evitar absurdos como a ocorrência de rebeliões e o comando do crime de dentro dos presídios.
4. falta de outros instrumentos importantes como: (i) atuação das unidades técnico-científicas de investigação; (ii) formação e treinamento contínuo dos agentes de segurança e (iii) instalação de centros de monitoramento por câmeras, satélites e outros meios, como instrumento fundamental para a prevenção da criminalidade.
Mesmo com a adoção de medidas como a nomeação como Ministro da Justiça de um grande jurista como Sergio Moro, a criação do SUSP e o anúncio do pacote anticrime, não será fácil o alcance de resultados mais concreto ou duradouro nessa área. Ou seja, deve se buscar com afinco os objetivos maiores do SUSP, principalmente quanto à integração efetiva das forças de segurança federais e estaduais, o que só será possível com o contínuo esforço de cooperação e diálogo entre os órgãos responsáveis pelas essas ações, de modo a se alcançar a tão almejada sensação de segurança, tão importante para o cotidiano das pessoas e para o desenvolvimento das atividades econômicas, essenciais para o maior bem estar do cidadão.
Soji Soja